terça-feira, 25 de setembro de 2012

Ensaio sob o espelho

Escreves tão bem - prendendo a respiração na espreita de um texto recém feito, com o papel ainda quente em função das tuas mãos acima dele. Respiração: normal, mas descompassada.


A poesia é traiçoeira, mas a prosa tornou-se minha amante, então uso essas linhas indelimitadas para a "expressão" - expressão por meio dessa junção de símbolos que formam as palavras.
Palavras que, quando manipuladas pelas minhas mãos, perdem o sentido; usadas para simular emoções... usadas para lhe mostrar, para sintetizar, as mais sortidas emoções inseridas em um único alguém: a minha pessoa. Pessoa que quando enxergo pelo reflexo do breu dos teus olhos parece irreal. Todavia, teu globo ocular a contradiz, mostrando que ela existe, e aposta uma crença inabalável em sua capacidade de atravessar essa película instável que é a imagem dela refletida.
Teus lábios descrevem em movimentos contínuos toda a confiança depositada num futuro modelável, flexível, como feito de borracha. "Admirável", ela diz. "Admirável", eu concordo. Ainda mais quando tuas certezas são coladas em meu ouvido; teus dizeres vem direto a eles e escorrem, como algo caramelizado, fazendo cócegas por onde passam e, finalmente, chegando na ponta dos meus dedos, prosseguem contaminando minhas folhas (e atraindo formigas).
O teu tato, gélido, passando - quase imperceptivelmente - acima do meu rosto vai incutindo nas minhas veias a doce configuração das tuas sínteses.
Tudo isso seria esplêndido se não fosse por um detalhe: o acaso quis que tudo isso apenas se tratasse da projeção de uma imagem no espelho, mas apenas uma única imagem; apenas um reflexo constituído por duas pessoas.

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